Veja o que diz a professora doutora Mariana Aldrigui sobre o futuro próximo do turismo brasileiro

É consenso que, sem pesquisa de ponta e excelência na educação, o Brasil jamais poderá se sobressair internacionalmente e assumir de fato o tão sonhado título de país do futuro. Japão, Coréia e Chile são exemplos de que apostar na ciência e na academia é o melhor investimento desde épocas imemoriais. Não à toa que as melhores universidades do mundo estejam nos países mais ricos e desenvolvidos. Pode-se afirmar, inclusive, que tais nações são potencias porque produzem nas suas universidades conhecimento que é matéria prima para os demais setores da sociedade.

Só se cresce economicamente quando se tem planejamento. E um bom plano depende de informações que vêm de pesquisas com agnosticismo metodológico, reflexões e debates de ideias, inclusive com o mercado. Daí a importância dos pesquisadores nas universidades, os primeiros e sempre à frente think tanks.

Mas não basta só ter informação de qualidade. É preciso aceitá-las com frieza, racionalidade. A professora doutora e pesquisadora vinculada à USP, Mariana Aldrigui, traz com precisão científica, sem nenhum vínculo com interesses políticos e econômicos, um diagnóstico do turismo brasileiro e seu futuro próximo.

Há muitos anos é figura consultada quando se quer entender o passado, o presente e futuro de nossa indústria. Preside, desde dezembro de 2017, o Conselho de Turismo da Fecomercio-SP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) e coordena as ações da ONG Global Travel & Tourism Partnership no Brasil e nas ações de expansão para a América Latina.

É professora na área de Turismo na Universidade de São Paulo, desde 2006, onde também obteve seus títulos de bacharel em Turismo (1998), Mestre em Ciências da Comunicação (2003) e Doutora em Geografia Humana (2011), e pesquisadora nos temas de políticas públicas de turismo, turismo em cidades globais e educação para o turismo.

Veja, nesta entrevista exclusiva para o Blog Hospitalidade Brasil, o que ela tem a dizer sobre o cenário atual e futuro do turismo e, mais particularmente, da hospitalidade. São insumos preciosos para tomadas de decisão.

Blog Hospitalidade Brasil:  Quando a pandemia começou, houve a famosa profecia de um “novo mundo”! Mais de um ano depois, mesmo após mudanças nos hábitos de consumo, há quem diga que não existe o “novo normal”; para esse grupo. Tão logo a pandemia se torne uma endemia, as coisas voltarão  a ser como antes. Qual a sua percepção quando se fala de turismo no Brasil pós 2020?

Mariana Aldrigui: Sou do grupo que não acredita em novo normal. Ao contrário, acredito mais em retrocessos comportamentais movidos por um “eu mereço” fortalecido pelo período de restrições. A impressão que eu tenho é de que, especialmente no segundo semestre de 2021, a demanda reprimida vai – ao mesmo tempo – pressionar preços para cima e colocar em xeque as metas de sermos mais sustentáveis e responsáveis em termos de volume de pessoas, consumo exagerado, produção de lixo e as já conhecidas consequências de um turismo mais massificado. Sinto que tenhamos perdido, institucionalmente, o timing de repensar as estratégias de promoção do país, e de investir em qualificação de produtos, destinos e mão-de-obra. E vejo também que teremos um imenso desafio no sentido de recuperar a combalida imagem internacional do Brasil. Um famoso escritor recentemente afirmou que o “Brasil é o país mais execrado do mundo” e isso não é exatamente um exagero. Temos, novamente, um grande desafio – dar competitividade aos produtos, garantir que os empresários tenham acesso a crédito e possam garantir empregos, e que os turistas se sintam seguros viajando por aqui.  

BHB:  Quando você enxerga uma retomada segura para o turismo no Brasil?

M.A.: Eu acredito em números mais robustos a partir de setembro, especialmente nos feriados. Mas é possível já notarmos uma correlação clara entre ampliação da vacinação e aumento no número de viagens. A segurança vai depender, quase que totalmente, de um compromisso estabelecido entre empresas e consumidores, a despeito das ações dos governos. Se cada indivíduo mantiver práticas seguras, especialmente usando máscaras em ambientes com muita gente, podemos esperar a redução da transmissão e o surgimento de novas variantes, como afirmam os especialistas. Não vejo claramente um momento sem Covid, mas sim um estágio de compreensão generalizada sobre o que é necessário para que as atividades possam ser retomadas. (E adiciono – os exemplos que virão agora da Europa, com alguns países liberando festas, franqueando o uso de máscaras, vai nos mostrar se deu certo ou não…)

BHB: Dados do HotelInvest e FOHB apontam que, mesmo com o surgimento do COVID-19, investidores hoteleiros continuam apostando no mercado. Há previsão de investimentos em novos hotéis na ordem de 6 bilhões de reais até 2025. E a maior parte para propriedades upscale. Carlos Ferreirinha disse que o único setor em que o Brasil poderia ser referência em luxo é na hotelaria. Temos realmente vocação para turismo de alto padrão?

M.A.: Não sei se vocação é a palavra que eu usaria. Temos volume de mercado que viabiliza estes produtos e, também, um tipo de comportamento social que ambiciona o acesso a estes produtos (como é o caso do parcelamento, não usual em outros países). Se combinarmos o serviço de alto nível, com o baixo custo da mão de obra no país, e o cenário tido como “exótico” por mercados internacionais, podemos ter alguma vantagem, sem dúvida. Mas aposto especialmente na dimensão do mercado e também nos mercados vizinhos (Mercosul) para justificar tais investimentos.

BHB:  Há uma hotelaria tipicamente brasileira?

M.A.: Pode ser que sim, mas não me arriscaria a cravar essa afirmação. Há certamente um jeito de ser brasileiro (diferente do nosso jeitinho) que é o nosso maior diferencial – somos acolhedores, afáveis, dedicados e interessados nas pessoas, e isso faz muita diferença. Note que parte do sucesso dos produtos de luxo brasileiros se deve à qualificação profissional e a um treinamento na atenção aos detalhes que não é robotizada, e nem distante. É gentil, agradável. Da mesma forma, avaliamos os equipamentos mais simples, o que chama a atenção dos hóspedes é, de novo, a qualidade do atendimento, a gentileza, a presteza. É lamentável, porém, que seja um setor de tão baixa remuneração e que pouco consegue em termos de apoio do poder público, valendo-se quase sempre da disposição dos empresários para manter/melhorar os produtos.

BHB:  A Itapemirim acaba de se lançar na aviação. A promessa é muito semelhante àquela feita pela Gol quando surgiu no mercado. No entanto, a realidade de uma aviação low cost brasileira não se mostrou até hoje viável, ao contrário dos hotéis econômicos, que não pararam de crescer. Por quê?

M.A.: O custo de operar no Brasil é elevadíssimo e, além disso, as dinâmicas de mercado tem nuances que oferecem mais riscos ao negócio (vale olhar o quanto custa manter somente as equipes jurídicas para lidar com o volume de processos gerados na aviação, em comparação com outros países). Quase metade do custo operacional é cobrado em dólares, e com preços em reais, moeda que mais se desvalorizou nos últimos meses, há que se ter uma excelente estratégia para dar conta das oscilações. O Brasil ainda é um país muito caro, e com uma complexidade jurídica e burocrática que o torna muito menos competitivo que outros países. E não custa lembrar, temos ainda muito preconceito político-institucional com projetos que  incluam as classes mais baixas.

BHB: O turismo no Brasil gera muitos empregos, mais do que a indústria automobilística, por exemplo. É responsável por 8% do PIB, segundo dados de 2019. No entanto, não recebe a mesma atenção do poder público, desde sempre. Qual a razão?

M.A.: Baixa produtividade e fragmentação. Salários baixos, funções que demandam pouca qualificação e uma percepção generalizada de desimportância. Desde 2020, representamos menos de 3% do PIB e perdemos cerca de 100 mil postos formais, pessoas com salários um pouco acima da média nacional, e que podem ter se recolocado em outras áreas, o que nos deixa ainda mais frágeis em termos de profissionalização e conhecimento acumulado. O desafio não é tornar o turismo um setor de alta produtividade, pois nunca será, mas que haja um reconhecimento dos entraves e de como poderíamos ter mais pessoas e mais dinheiro circulando com ações / leis / projetos relativamente simples. E em termos de fragmentação – se mal conseguimos identificar quem de fato representa o setor, havendo uma coleção de pessoas se colocando como líderes, como podemos organizar as demandas, a abordagem, e reunir o coletivo de profissionais do setor para indicar o quanto representamos em votos/apoio político? Nosso capital político é muito pequeno e as pressões que fazemos surtem poucos efeitos.

BHB: Você é professora universitária e pesquisadora de renome. Conhece como ninguém o universo acadêmico brasileiro. Por que as escolas de hotelaria no Brasil e as faculdades de turismo não conseguem crescer, ainda que o setor empregue tanta gente e o potencial do mercado não é nada desprezível?

M.A.: Obrigada pelas palavras, fico lisonjeada. As carreiras de turismo perderam sua atratividade quando viajar se tornou parte da nossa vida. Muitos profissionais escolheram a carreira “para poder viajar”. Hoje, é mais fácil encontrar jovens que desejem ser produtores de conteúdo ou analistas financeiros para que, com seus rendimentos, possam viajar (pagando ou não). A formação em turismo não é exatamente inovadora, e não oferece um pote de ouro no final… A questão é conseguirmos atrair mais gente para o ensino médio profissionalizante, que se encontrem em termos de vocação, e posteriormente aprimorem seus conhecimentos na gestão de empresas, produtos, destinos e especialmente na inovação vinculando tecnologia e impacto social. Reforço – podemos até querer ser pretensiosos e dizer que desejamos profissionais com ensino superior, mas hoje para cada oito empregados no turismo brasileiro que tem ensino médio completo, temos apenas um com superior, e isso é claro tem relação com a remuneração e o tipo de serviço oferecido.